Por Que Os Cristãos Devem Se Envolver Na Política?
Download do Estudo BíblicoA Bíblia ensina que os cristãos devem impactar o mundo ao seu redor com os preceitos de Deus e para a glória dele. As maneiras pelas quais isso acontece variam quanto ao chamado que Deus fez a cada cristão. Somos chamados a exercer influência na área que Deus escolheu para nós.
Embora algumas igrejas ensinem que os cristãos devem se envolver apenas no evangelismo e abster-se de uma carreira no mundo político, não é isso que a Bíblia ensina. “Vocês são o sal da terra” e “Vocês são a luz do mundo” (Mateus 5.13a,14a) são indicativos de que todos os cristãos devem exercer influência aqui e agora, além do evangelismo e do discipulado.
Pense nas implicações disso. Se todo cristão aderisse a doutrina popular de “apenas evangelismo”, não haveria cristãos em cargos públicos! Não haveria influências de preservação ou iluminação bíblica nas formas representativas de governo.
Acredito que a Bíblia apoie o envolvimento de cristãos na arena política (assim como na maioria das outras vocações) em vez de serem contra a política ou alienados dela. O modo de mudar a direção de uma nação é pelo nosso envolvimento. A moralidade de alguém será a base da lei e da cultura, então por que não a de Deus?
Acompanhe a seguir os argumentos bíblicos para a participação dos cristãos no estado de maneiras que vão além do evangelismo.
Ralph Drollinger
I. INTRODUÇÃO
O fato de que os cristãos devem afetar o mundo em que vivem (em vez de se isolarem dele) é evidente a partir do Sermão do Monte. Mateus 5.13-16 diz:
“Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens. Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. E, também, ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha. Pelo contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus.”
Quando Jesus acende uma lâmpada – quando traz um indivíduo para a verdadeira fé salvadora em si mesmo (cf. Efésios 2.8-9) – o resultado é uma pessoa que “ilumina1 a todos os que estão na casa.” Não é difícil decifrar o que esta passagem significa. A palavra casa(v. 15) é outra forma de expressar duas palavras usadas anteriormente na passagem, e significa simplesmente que um cristão afetará as pessoas na terra (v. 13) e as pessoas no mundo (v. 14a). Esta passagem ensina que é normativo que os cristãos afetem a terra/mundofísica(o) ou a “terra” no aqui e agora.
Mas note a progressão de todo o capítulo. Os versículos 13 a 16 vêm depois de “As Bem-aventuranças” (v. 1-12), que ensinam virtudes concisas (listadas na abertura do Sermão do Monte) emblemáticas de seguidores maduros de Cristo, ou seja, qualidades de caráter como gentileza (Mateus 5.5), justiça (5.6,10), misericórdia (5.7), pureza (5.8), etc. Pela natureza progressiva delas, as manifestações de sal e luz (apologias semelhantes que expressam a ideia de que os cristãos devem preservar e iluminar a terra/mundo) estarão em proporção direta ao grau em que essas características previamente listadas habitam no cristão. A longo prazo, uma pessoa não pode afetar seu ambiente de maneira piedosa, a menos que primeiro possua um caráter piedoso.
QUEM UMA PESSOA É E COMO AFETA SEU MUNDO SÃO RELAÇÕES INTRINSECAMENTE ENTRELAÇADAS
Tal interpretação do significado desta passagem é apoiada por compreensões gramaticais fundamentais. Primeiro, o pronome e o verbo usados duas vezes no início dos versículos 13 e 14 são Vocês são (em grego: humeis este). Estes verbos estão no presente do indicativo ativo na língua grega. Isso contrasta com o fato de serem verbos imperativos, como se fossem ordens de Jesus. Esta é uma distinção sutil, mas importante, significando que quanto mais parecidos com Cristo na cultura (agentes da preservação e iluminação da verdade), tanto mais seremos bem-aventurados, ou seja, maduros no Salvador. Jesus não está dizendo: “Seja sal e luz!” Em vez disso, ensina que quanto mais alguém manifesta internamente sua semelhança com Jesus, mais afetará externamente seu mundo, ou no caso da liderança política do país, o povo e as leis, e ainda no caso deste estudo, o bem-estar econômico da nação! William Wilberforce mudou as leis de escravidão da Inglaterra porque era bem-aventurado, semelhante a Cristo, em um alto grau ao longo de muitos anos no cargo!
Por que isso é tão importante? Mais uma vez, permita-me repetir a profundidade desta visão exegética. Jesus não está dizendo “vocês devem ser sal e luz!” Jesus não está falando no imperativo. Em vez disso, o uso de vocês são significa que vocês são preservando e iluminando a sociedade quanto mais bem-aventurados forem. Vocês são está baseado no que Jesus já disse no Sermão do Monte!
UM INDICATIVO DO CARÁTER BEM-AVENTURADO SEMPRE LIGADO À MATURIDADE SEMELHANTE A CRISTO É A MANIFESTAÇÃO DE ILUMINAÇÃO E DE PRESERVAÇÃO NO MUNDO DE HOJE!
Não há como evitar esse significado simples e a conexão nesta passagem. Essa é a cadência dela.
Em segundo lugar, observe na língua original o início do versículo 16. O advérbio no início da passagem mostra ainda o pensamento sequencial relativo ao que Ele previamente delineou. Em “Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens”, a expressão assim (houtos) significa “desta forma” ou “consequentemente”. O verbo brilhe (lampo) é um imperativo, significando que Deus está ordenando, em outras palavras: Nossa luz deve brilhar desta forma. E qual é esta forma? Que outros vejam nosso caráter piedoso e a consequente preservação e iluminação cultural. O que se segue é que outros “‘glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus”. Se você seguir essa sequência bíblica, se tornará uma testemunha poderosa em um mundo caído por meio de sua participação na cultura – e não estando ausente dela! Veja, a seguir, um resumo que ilustra bem:
AMADURECIMENTO ESPIRITUAL Mateus 5.1-12
↓
PARTICIPAÇÃO CULTURAL Mateus 5.13-15
↓
EVANGELIZAÇÃO DOS OUTROS Mateus 5.16
O amadurecimento espiritual pessoal será indicado pela participação da pessoa na cultura em que está inserida, que então testemunha sobre Deus em um mundo que nos observa. Essa progressão revela a fórmula bíblica para termos um testemunho eficaz – glorificar a Deus – em um mundo caído.
Resumindo a introdução, para aqueles que dizem que o cristão deve apenas evangelizar na arena política, esta passagem evidencia a omissão de um passo vital e necessário: A participação cultural no mundo é um ingrediente necessário para se tornar uma testemunha efetiva (cf. 1Coríntios 9.21-23). Você não pode ser um defensor de “apenas evangelizar” na arena política sem participação cultural! É um completo equívoco.
SERÁ QUE ALGUM EVANGELISTA PODE SER EFICAZ SE EVITA CONECTARSE AO MUNDO DO OUTRO?2
Mateus 5 não apoia essa ideia. O próprio Jesus não a apoia. Esta passagem permite a correção de tal pensamento. O cristão deve ser um preservador e iluminador na terra e no mundo se deseja ser um bom evangelista. Como se esse argumento introdutório fosse insuficiente, apresentamos a seguir oito razões, adicionais, apoiadas biblicamente, por que os cristãos devem estar envolvidos na política.3
II. “APENAS EVANGELIZAR” É UM ENTENDIMENTO MUITO LIMITADO DA MISSÃO DE JESUS
Na passagem da Grande Comissão de Mateus 28.19-20, Jesus ordena aos seguidores que ensinem mais do que apenas as verdades do evangelho (por mais básico e importante que isso seja para a missão de Jesus). Ele ensina os cristãos a ir muito além do evangelismo e fazer discípulos. Como é que o cristão pode fazer isso? “Ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei.” Paulo ecoou a necessária amplitude de instrução acima e além das verdades do evangelho quando disse aos anciãos de Éfeso: “Pois não deixei de proclamar-lhes toda a vontade de Deus” (Atos 20.27). Além disso, o grande apóstolo disse a respeito de todos os seus escritos bíblicos: “… O que lhes estou escrevendo é mandamento do Senhor” (1Coríntios 14.37). Pedro disse sobre seus ensinos que vão além da salvação: “Para que vocês se lembrem […] do mandamento de nosso Senhor e Salvador que os apóstolos de vocês lhes ensinaram” (2Pedro 3.2). Assim, Jesus quer que os outros saibam todas as Suas instruções. Isso significa que Ele quer que seus seguidores aprendam sobre casamento, família, igreja, negócios e governo. Isso é necessário para fazer discípulos (que é o principal comando da Grande Comissão). Decisivamente, embora a primazia da missão de Jesus seja converter os perdidos, a totalidade de sua mensagem abrange fazer discípulos.
Que o cristão deva só evangelizar líderes políticos (e não se envolver na política) representa um pensamento extremamente míope e antibíblico. Se fosse assim o evangelista na capital precisaria aconselhar seu discípulo a abandonar imediatamente o cargo! Se um evangelista ganhasse todos os líderes eleitos para Cristo, o governo teria que apagar as luzes (presumindo que o zelador não tenha sido salvo!).
Então, o que Jesus ensina? O que é “toda a vontade de Deus” (Atos 20.27 – NVI) em relação ao governo civil? Entre outras coisas, Ele mesmo a criou (Gênesis 1.26, Colossenses 1.16), a ordenou (Romanos 13.1), a sustenta (Colossenses 1.17) e pretende moralizar um mundo caído (Romanos 13.4) e fazer justiça (1Pedro 2.13-14). Além de sua graça salvadora, Jesus pretende, compelido por um coração compassivo pelos perdidos (Mateus 9.36), manifestar a graça comum e a graça restritiva a todos por meio desta instituição ordenada (cf. Mateus 5.45). Quão grande é o seu amor!
As descrições e passagens de apoio mencionadas aqui revelam claramente que Jesus tem um propósito para os cristãos dentro da instituição de governo, que vai além do evangelismo. Um dos principais defensores do ponto de vista de “apenas evangelismo, sem política” afirma:
Ele [Jesus] não veio à terra para tornar moral a velha criação por intermédio da reforma social e governamental, mas para santificar as novas criaturas [seu povo] pelo poder salvador do Evangelho e da obra transformadora do Espírito Santo.4
Pensando desta maneira ele está propagando uma compreensão muito limitada da missão de Jesus! O que este autor diz não representa todo o conselho de Deus em relação aos propósitos para sua instituição do governo civil, como listado anteriormente. Por mais importante que o papel do cristão de evangelizar o governo seja, deve haver sempre a compreensão mais ampla de tudo o que Jesus ensinou sobre seus maiores propósitos para esta instituição. O cristão deve ensinar tudo o que as Escrituras dizem sobre o governo civil e, ainda mais especificamente, ensinar essas verdades aos próprios líderes do governo civil!
Em um sentido abrangente e paralelo, dizer que o propósito e a missão de Jesus eram exclusivamente salvar é implicar que Jesus não tem nada a ensinar sobre casamento, família, igreja ou negócios – e que o cristão deveria se concentrar apenas em evangelizar as pessoas dessas instituições ordenadas por Deus. Os cristãos devem se envolver em aconselhamento matrimonial ou apenas evangelizar aqueles que desejam se casar? Os cristãos devem procurar criar homens de negócios piedosos em Cristo ou apenas evangelizá-los? Você entendeu. Por que a instituição do governo e os líderes governamentais são considerados maus e outras coisas não, à luz do objetivo bíblico de fazer discípulos em todo o mundo?
Outro erro deste mesmo influente autor cristão é sua tendência de espiritualizar a importância do bom governo civil em relação à propagação do Evangelho. Ele afirma:
O governo humano ideal não pode, em última análise, fazer nada para avançar sobre o reino de Deus, e o pior e mais despótico governo mundano no final não pode impedir o poder do Espírito Santo ou a propagação da Palavra de Deus.5
Em um sentido final e em vista da grandeza e soberania de Deus, o que é dito aqui é verdade; mas é um argumento sustentável para o não envolvimento de cristãos no governo civil? Não é preciso ser um estudante muito aplicado de geopolítica atual, de história ou das missões mundiais para saber que países do Oriente Médio, bem como a Coreia do Norte, Cuba e Rússia, entre outros, reprimiram o crescimento do corpo de Cristo em um grau muito maior do que os países não repressores. Quantos missionários surgiram para a causa de Cristo nas terras acima mencionadas? Na prática, por que 90% das missões do século passado foram financiadas pela América? Os cristãos devem estar envolvidos na política, se por nenhuma outra razão, ao menos para preservar os países que enviam missionários com o propósito de espalhar a Palavra de Deus. O país ideal pode promover muito mais o reino de Deus do que um país não-ideal.
PORTANTO, É IMPORTANTE ALCANÇAR E MANTER UM BOM GOVERNO, SE POR NENHUMA OUTRA RAZÃO, AO MENOS PARA O CUMPRIMENTO DA GRANDE COMISSÃO
O impulso presente e histórico para grande parte do cumprimento da Grande Comissão provém de países que honram a liberdade. Isso significa que o papel do cristão na manutenção da saúde e do bem-estar de um país, que inclui sua viabilidade econômica, é uma tarefa nobre e importante e certamente está de acordo com tudo o que Jesus nos ordenou.
Para ilustrar um dos muitos possíveis resultados de viver a partir de uma compreensão muito estreita da missão de Jesus, os pregadores de rádio devem agora alterar suas transmissões no Canadá para não incluir qualquer menção a Romanos 1.6 Este livro inspirador aborda a gravidade do pecado, o princípio da justificação, a importância da fé, o ministério do Espírito Santo, os dons do Espírito e muitas outras questões importantes de fé. Isso se deve às leis canadenses não influenciadas pelos cristãos. O que será dos grandes ministérios de rádio dos Estados Unidos que tanto influenciaram nossa cultura para o bem e evangelizaram os perdidos, se as leis indiferentes à influência cristã também começarem a proibir a igreja de evangelizar aqui? Como a igreja deste pastor, que defende esse entendimento limitado do envolvimento governamental, pagará seu salário se perder seu status de dedução de impostos?
OS GOVERNOS REALMENTE FACILITAM OU DIFICULTAM O AVANÇO DO REINO DE DEUS
Mais uma vez, e vale a pena repetir, os cristãos devem estar envolvidos no governo civil, nem que seja apenas para o bem da Grande Comissão! Os líderes da igreja devem aplaudir, respeitar, apoiar, sustentar, preparar e eleger mais líderes políticos cristãos, a fim de criar e/ou preservar as liberdades dos pregadores para propagar o evangelho.
OS LEGISLADORES CRISTÃOS QUE CONHEÇO SE VEEM EM PARCERIA COM PASTORES. OS PASTORES NÃO DEVERIAM SE VER EM PARCERIA COM OS LEGISLADORES CRISTÃOS?
A igreja deveria formar homens e mulheres jovens – discipulados – para concorrer ao cargo com a mesma paixão e entusiasmo que coloca em formar pastores, esposas, maridos, filhos e empresários? É claro que sim! O evangelismo é muito restrito no entendimento da missão de Jesus.
III. A MISSÃO DE JESUS INCLUI A TRANSFORMAÇÃO DAS NAÇÕES
Note a passagem da Grande Comissão, em Mateus 28.18-20, e o uso da palavra nações:
“Então, Jesus aproximou-se deles e disse: ‘Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos.’”
A palavra nações, incluída por Jesus aqui não pode e não deve ser negligenciada. A missão de Jesus tem a intenção total de transformar sociedades, ou como são chamadas na passagem da Grande Comissão, nações (ethnos). A passagem é clara: Os cristãos devem alterar as nações! Aqueles que defendem uma visão muito estreita da missão de Jesus são forçados a interpretar ethnos como significando apenas “grupos de pessoas”, de modo a acomodar a passagem ao seu ponto de vista de não envolvimento com o governo civil. Mas, para aqueles que têm uma visão maior da missão de Jesus, o evangelismo individual e a formação de discípulos são inevitáveis – assim como é o objetivo de influenciar as nações geopolíticas para sempre. Se “ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei” é o propósito geral para Cristo vir à terra, como visto anteriormente (o ministério evangélico sendo uma parte vital disso [cf. 1Coríntios 15.3-6] e o ponto de partida para fazer discípulos), então, tão importante quanto, a missão de Jesus tem um olhar voltado e inclui a transformação não só dos indivíduos, mas como resultado disso, as nações também.
IV. QUAIS PARTES DA BÍBLIA A IGREJA NÃO DEVE PREGAR?
O pastor ou cristão que se apega a uma compreensão limitada da missão de Jesus de “fazer evangelismo, não política”, deve decidir quais partes da Bíblia deve ensinar. É preciso omitir o ensino de Gênesis 9.5-6, João 19.11, Atos 25.11, Romanos 13.1-7 ou 1Pedro 2.13-14, já que têm a ver com os cristãos que impactam o governo? Mais especificamente, é necessário evitar o ensino sobre a influência de José no governo do Faraó ou de Daniel no governo de Nabucodonosor? Quais partes de “… toda a vontade de Deus” (Atos 20.27) o professor da Bíblia deve omitir? A compreensão muito estreita da missão de Jesus inevitavelmente leva à edição de quais partes das Escrituras você ensinará ou omitirá – e criará uma enorme incongruência à luz de “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino…”(2Timóteo 3.16) e “Pois não deixei de proclamar-lhes toda a vontade de Deus” (Atos 20.27).
V. DEUS DEIXA OS CRISTÃOS AQUI NA TERRA TANTO PARA EVANGELIZAR COMO PARA FAZER O BEM AOS OUTROS
Semelhante ao primeiro ponto, sobre os cristãos serem iluminadores e preservadores no mundo, à medida em que são espiritualmente maduros, Deus tende a deixar seus santos na terra depois que os salva para este propósito. Então, depois que alguém é salvo, o que deve fazer? Ele deve apenas evangelizar os outros pelo resto de suas vidas terrenas?
E quanto a Mateus 22.39: “Ame o seu próximo como a si mesmo”? Este mandamento aparece seis vezes no Novo Testamento. Como a Grande Comissão, esta também é uma ordem de Jesus! O espírito deste mandamento exige que o cristão considere questões como essas (como elas se relacionam com formas tangenciais de amar o próximo): (1) Garantir que a lei puna ladrões que possam talvez roubar meu próximo, (2) trabalhar para criar e aplicar leis relativas à privacidade da internet para proteger meu próximo de hackers que de outra forma roubariam suas informações de cartão de crédito, e (3) criar políticas que garantam que aqueles que educam o filho do meu próximo não possam ensinar coisas más. Você entendeu a ideia. Como essas políticas, que são tão compatíveis com os mandatos das Escrituras de amar o próximo, podem ser concretizadas, se os cristãos que acreditam nas verdades morais das Escrituras não estiverem envolvidos na formulação de tais políticas? Gálatas 6.10 reforça essa mesma e importante ideia de amar o próximo aqui e agora: “Portanto, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, especialmente aos da família da fé.” Efésios 2.10 ainda ressalta a responsabilidade social dos cristãos: “Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos.” Boas obras têm um significado e aplicação mais amplos do que apenas evangelizar.
“POR QUE AS IGREJAS DEVEM ENSINAR SEU POVO A FAZER BOAS OBRAS EM HOSPITAIS, ESCOLAS, EMPRESAS E BAIRROS, MAS NÃO NO GOVERNO?”7
A conexão bíblica entre amar o próximo e a necessidade de estar envolvido no governo civil é forte e inevitável.
VI. DEUS ESTABELECEU A IGREJA E O ESTADO PARA CONTER O MAL
Quando um cristão pelo do poder do Espírito Santo ganha alguém para Cristo, tal regeneração interna deve reprimir o mal no coração do convertido (cf. 2Coríntios 5.17). No entanto, a história e a observação presente indicam que nem todos se convertem a Cristo, e nem aqueles que que o fazem são completa e imediatamente santificados em suas ações manifestas. Assim, Deus instituiu, além da igreja, o governo civil para restringir o mal pelo uso da força e da punição em um mundo caído. Romanos 13.4 mostra isso de forma clara, quando Paulo afirma sobre o governo: “… “Mas se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal.” 1Pedro 2.13-14 diz: “… Sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens; seja ao rei, como autoridade suprema, seja aos governantes, como por ele enviados para punir os que praticam o mal e honrar os que praticam o bem.” 8 Estas passagens servem para iluminar o fato de que Deus media seu reinado, investindo sua autoridade ao governo civil e por meio dele (Romanos 13.1) a fim de conter o mal em um mundo caído. Enquanto a igreja é o canal da graça salvadora de Deus, o Estado é o canal de sua graça restritiva. É importante rever o que foi dito anteriormente à luz deste ponto: Tal compreensão requer o envolvimento do cristão no governo civil, uma vez que faz parte da missão global de Jesus e da criação de suas instituições. Parece natural concluir também que alguns são chamados por Deus para servi-lo em sua instituição do governo, assim como outros indivíduos são chamados a servi-lo na instituição da igreja, embora seus objetivos institucionais sejam distintos quanto à forma de alcançar a contenção do mal.
Outro ponto aqui merece destaque. Os cristãos isolacionistas (aqueles que acreditam na superioridade institucional, exclusividade e preeminência da instituição da igreja) muitas vezes abrigam um senso de justiça própria: Como se a autoridade da igreja estivesse acima da autoridade do estado. A igreja não está acima do estado, e, em muitos casos, a igreja deve se submeter a ele. O exemplo americano gritante, histórico e embaraçoso disso é a Proclamação da Emancipação de 1863. A abolição da escravatura não veio pela igreja enquanto instituição, por intermédio do evangelismo. Foi o estado que deu à luz a liberdade de um ser humano que antes era propriedade de outra pessoa. Às vezes, o estado restringe o mal mais efetivamente do que a igreja!
Uma ilustração mais aguçada e atual disso é quando a igreja não denuncia o abuso sexual em seus quartéis às autoridades governamentais, acreditando que a igreja deve ser o juiz exclusivo e final em tais assuntos.
Outro exemplo de teologia fracassada na relação igreja e estado foi a total falta de empenho dos líderes da igreja em relação à canonização do Novo Testamento (NT). Foi o Estado que motivou a canonização do NT! Foi somente no início do século IV que Constantino exigiu de Eusébio que a igreja concluísse a reunião dos vinte e sete livros (por assim dizer)! Estas são apenas algumas ilustrações de Deus usando sua instituição do estado de maneiras que indicam seu significado e importância para Ele.
É lógico, portanto, que os cristãos devem respeitar o papel único do estado (e não abrigar atitudes de superioridade condescendentes em relação a ele) e, portanto, estar envolvidos no governo civil, em vez de se isolarem dele, para que não acabem herdando um país sem lei e falido, no qual provavelmente perderão suas liberdades religiosas para fazer “apenas evangelismo.”
VII. OS CRISTÃOS INFLUENCIARAM O ESTADO POSITIVAMENTE AO LONGO DA HISTÓRIA
Em contraste com a ideia de não envolvimento no estado pelos cristãos, além do evangelismo, estão os exemplos de pelo menos três categorias da influência histórica dos cristãos no estado. Esses relatos são numerosos e bem documentados pelos autores Schmidt9 e Colson10 em suas maravilhosas obras.
A. A DIGNIDADE DA HUMANIDADE
A divulgação histórica e o impacto da influência cristã no estado pelos cristãos envolvidos nele têm sido responsáveis por muitas vitórias. O envolvimento cristão na proibição do infanticídio, abandono infantil e aborto no império romano (374). O envolvimento cristão no estado proibiu a queima viva de viúvas na Índia (1829). O envolvimento cristão no estado acabou com a escravidão no império britânico (1840). O envolvimento cristão no estado impediu a discriminação das mulheres na China (1912). E o envolvimento cristão no estado proibiu a segregação racial nos Estados Unidos. Estas são apenas algumas das contribuições históricas dos cristãos bem-aventurados, amadurecidos em Cristo, os chamados agentes de preservação e iluminação de Deus, ao estarem engajados na política!
B. AS CONSTITUIÇÕES DA HUMANIDADE
Os cristãos envolvidos na política foram influentes na escrita da Carta Magna na Inglaterra, em 1215, na Declaração de Independência na América, em 1776, e na Constituição dos Estados Unidos, em 1787. Estes são os documentos mais importantes na história dos governos conhecidos pela humanidade! Todos foram significativamente influenciados pelos cristãos e são a base não apenas de países prósperos, mas do movimento de missões cristãs em todo o mundo. Essas visões avançadas de governo deram origem a liberdades individuais, justiça, liberdade de religião e separação institucional (mas não de influência) entre igreja e estado.
C. A EDUCAÇÃO DA HUMANIDADE
Os cristãos envolvidos no estado influenciaram muito o desenvolvimento do ensino superior nos EUA.
DAS 182 FACULDADES E UNIVERSIDADES DOS EUA EM 1932, 92% FORAM FUNDADAS POR DENOMINAÇÕES CRISTÃS
Esta influência levou ao avanço de uma sociedade até então desconhecida na história, uma sociedade que acelerou a Grande Comissão a níveis de realizações iguais aos da igreja do primeiro século.
Estas são apenas algumas ilustrações da influência cristã sobre o estado acima e além do evangelismo. Portanto, quando um proeminente autor cristão argumentou em 2000 que “Deus não chama a igreja a influenciar a cultura, promovendo a legislação e decisões judiciais que favoreçam um ponto de vista bíblico”, e que “usar métodos temporais para promover mudanças legislativas e judiciais … não é nossa vocação e não tem valor eterno,”11 pergunta-se como ele pode chegar a uma compreensão tão estreita (e aberrante) da missão de Jesus. Em seu comentário anterior sobre Mateus 5.13-16 (1985), este mesmo autor disse: “Os cristãos podem ter uma influência poderosa no bem-estar do mundo.”12 E aí ele cita Martyn Lloyd-Jones: “[O que salvou a Inglaterra foi que] … A situação política foi afetada, e as grandes leis do Parlamento que foram aprovadas no século passado deveram-se principalmente ao fato de existir um grande número de cristãos naquele lugar.”13 Infelizmente, no ano 2000, este mesmo escritor escreveu um livro para tentar influenciar pastores a evitar o envolvimento governamental (ref. nota de rodapé 3). A influência cristã sobre o estado ao longo da história, bem como o argumento contextual de Mateus 5.1-16 (apresentado na seção introdutória) favorecem a posição anterior, bíblica, de 1985 deste autor.
VIII. A BÍBLIA NÃO DIZ QUE A PERSEGUIÇÃO ESTÁ CHEGANDO?
Ao estudar escatologia, a doutrina dos eventos bíblicos futuros, é possível argumentar: “Uma vez que as coisas vão piorar no final dos tempos” (cf. Mateus 24.9-12, 21-22; 2Timóteo 3.1-5), por que alguém deveria tentar melhorar o governo hoje? A resposta é simples: Enquanto isso, o cristão deve ser sal e luz (Mateus 5.13-15), amar o próximo (Mateus 22.39), fazer boas obras (Efésios 2.10) e evangelizar os perdidos (Mateus 5.16). Não se pode desobedecer às ordens claras de Deus no aqui e agora por causa de passagens que falam do fim dos tempos – um “determinismo profético” que ofusca e elimina qualquer sentido de uma obediência bíblica atual.
O FUTURO FATALISTA DO MUNDO AMANHÃ NÃO É DESCULPA PARA A LETARGIA SOCIAL HOJE
As Escrituras mencionam explicitamente que ninguém sabe a hora exata da segunda vinda de Cristo (Mateus 24.36; 25.13) e, portanto, o cristão deve influenciar o governo civil enquanto puder.
IX. O ENVOLVIMENTO POLÍTICO DISTRAI OS CRISTÃOS DE SUA TAREFA PRINCIPAL DE PREGAR O EVANGELHO?
Os defensores do evangelismo frequentemente argumentam que o envolvimento político da igreja hoje serve para distrair os cristãos da tarefa principal de pregar o evangelho ao mundo. Isso pode ocorrer, e eu testemunhei isso acontecendo na arena política pelos defensores da direita religiosa. Mas a questão não é se o envolvimento político da igreja desvia a energia da pregação do evangelho, se de fato Deus chamou o cristão para ser sal e luz como predicado para a forma mais eficaz de evangelismo que Ele tem. É o envolvimento genuíno na vida das pessoas ao longo do tempo que leva à conquista de almas.
X. RESUMO
Pelas razões apresentadas neste estudo, a compreensão de que o cristão deve “evangelizar e não fazer politica” é uma falsa dicotomia e um entendimento incorreto da igreja e do estado. Os cristãos devem estar envolvidos na política de forma semelhante à maneira como pensam em melhorar seu casamento, sua família, seus negócios ou sua igreja. Concorrer a cargos e servir no governo civil não é menos espiritual do que ir para o ministério em tempo integral, casar, criar uma família ou administrar um negócio. cm
NOTA DE RODAPÉ
1 Isso também é um verbo no presente do indicativo ativo.
2 Em 1 Coríntios 9.22b Paulo afirma: “Tornei-me tudo para com todos, para de alguma forma salvar alguns.” Essa é uma passagem apropriada e que apoia esse entendimento bíblico do envolvimento cultural. Paulo estava disposto a se envolver nas vidas, profissões (incluindo a área política, e.g., Filipenses 1.13; cf. 4.22; cf. Atos 26.88ss.) e culturas de outros sem comprometer a verdade bíblica, a fim de evangelizar os perdidos. Como a igreja de hoje pode evangelizar políticos se não está disposta a ter contato com eles?
3 Esse trecho foi usado com permissão do dr. Wayne Grudem, que abordou esses mesmos problemas em seu excelente livro, Politics According To The Bible (Política Segundo a Bíblia). Com sua permissão, relativa à sua concisão (considerando a quantidade de páginas totais no livro citado), ele me permitiu desenvolver cada raciocínio com mais detalhes, o que eu fiz.
4 John MacArthur, Why Government Can’t Save You: An Alternative to Political Activism [Por que o governo não pode salvá-lo: Uma alternativa ao ativismo político] (Grand Rapids: Zondervan, 2000), p. 11-12. Vale citar a exposição de MacArthur de Romanos 13.1-7, em 1994, onde ele constata sobre ordenação e moralização: “O governo humano é ordenado por Deus para o benefício da sociedade… Para promover e proteger o bem na sociedade humana, o governo deve punir o mal” (MacArthur, John The MacArthur New Testament Commentary [Comentário do Novo Testamento de MacArthur]: Romanos 9–16 [Chicago: Moody, 1994], p. 218, 225). Fica implícito em seus comentários sua evidente admissão de um papel mais amplo da missão de Jesus (cf. Colossenses 1.16). Infelizmente, seu pensamento contraditório posterior (“evangelize, não faça política”) influenciou a muitos.
5 Ibid., p. 7.
6 Muitos pensadores cristãos acreditam que uma das principais razões por que os Estados Unidos não seguiram o rumo da Europa foi devido à presença e ao poder da rádio cristã.
7 Wayne Grudem, Politics According to the Bible (Grand Rapids: Zondervan, 2010), p. 48. Note que estou usando o respectivo trecho do dr. Grudem (com sua apreciada abrangência) nesse estudo com a permissão dele.
8 A única exceção à obediência à autoridade do estado é quando a autoridade civil exige desobediência à Palavra de Deus (cf. Êxodo 1.17; Daniel 3.16-18; 6.7,10; Atos 4.19).
9 Alvin Schmidt, How Christianity Changed the World [Como o cristianismo mudou o mundo] (Grand Rapids: Zondervan, 2004).
10 Charles Colson, God and Government: An Insider’s View on the Boundaries between Faith and Politics [Deus e governo: Uma visão privilegiada sobre as fronteiras entre a fé e a política] (Grand Rapids: Zondervan, 2007). (Publicado anteriormente como Kingdoms in Conflict [Reinos em conflito]).
11 Ibid., p. 130; 15.
12 John MacArthur, The MacArthur New Testament Commentary: Mateus 1–7 (Chicago: Moody Press, 1985), p. 243.
13 Martyn Lloyd-Jones, Studies in the Sermon on the Mount [Estudos no Sermão do Monte] (Grand Rapids: Eerdmans, 1971), 1:157 (como citado em John MacArthur, Why Government Can’t Save You: An Alternative to Political Activism [Por que o governo não pode salvá-lo: Uma alternativa ao ativismo político][Grand Rapids: Zondervan, 2000]).