Você Deve Argumentar a partir da Bíblia em uma Capital Secular?
Download do Estudo BíblicoAo longo dos anos, passei uma quantidade considerável de tempo estudando sistemas apologéticos e abordagens evangelísticas relacionadas aos líderes políticos. Será que um líder cristão deve usar as Escrituras como autoridade, caso outros não as considerem uma fonte fidedigna? Além disso, acima e além do evangelismo, o crente deve argumentar a partir da Bíblia em relação a questões políticas em uma capital cada vez mais secular em relação a questões políticas?
O que se segue é um olhar para a abordagem de Paulo à persuasão ao falar com um público secular, como registrado no livro de Atos. Estudar esta passagem nos permitirá focar intensamente neste assunto — e devo acrescentar de antemão, o que vamos aprender lá não é inconsistente com outras passagens e o que elas ensinam sobre este assunto ao longo das Escrituras.
Tenha em mente que a prática de Paulo referente a esta questão tem como resultado pelo menos um líder político que se converte a Cristo (Atos 17.34).
Continue a leitura, meu amigo!
I. INTRODUÇÃO
Em Atos 17.22-31, o Doutor Lucas registra um dos sermões do apóstolo Paulo. Estudar este sermão é fascinante porque revela como Paulo agiu na tarefa de convencer os não-crentes com a verdade bíblica. Mais especificamente, aqui testemunhamos o anúncio da verdade bíblica, o kerygma (“a proclamação pública do Evangelho”), a filósofos seculares atenienses, ou melhor, a antigos ideólogos gregos. Esta passagem da Escritura é bastante informativa e, portanto, profundamente importante porque oferece um exemplo e uma tese para o desenvolvimento de sua própria compreensão pessoal fundamental de qual seja a maneira bíblica de defender (cf. 1 Pedro 3.15) e proclamar (cf. Colossenses 1.28) verdades eternas aos não-crentes. Segue-se que:
UM ESTUDO APROFUNDADO DE ATOS 17 APRESENTA DIRETRIZES PARA COMUNICAR A VERDADE DO EVANGELHO AOS NÃO REGENRADOS.
Este sermão revela que a abordagem apologética (“apresentar uma defesa”) foi pressuposicional em sua natureza. Em outras palavras, o conteúdo e os resultados do sermão pressupõem a autoridade absoluta e final das Escrituras, no que diz respeito à sua base epistemológica (“a investigaçãoo filosófica sobre a natureza, fontes, limites e métodos de obtenção de conhecimento”)1 para a argumentação. Se Paulo usou as Escrituras como base diante de um público secular do primeiro século, não se conclui que os crentes de hoje devam usar as Escrituras como nosso ponto de partida e autoridade final para todos os esforços argumentativos, apologéticos e evangelísticos? Acho que sim!
Por que digo que o sermão de Paulo em Atos 17 é pressuposicional? Por que digo que você deve pressupor a autoridade da Palavra de Deus quando falar? Por favor, examine os seguintes seis pontos para (espero) formar convicções semelhantes em seu próprio coração.
II. A ANALOGIA DAS ESCRITURAS
O princípio consagrado pelo tempo da analogia das Escrituras na abordagem gramatico-histórica normativa para a interpretação das Escrituras (Hermenêutica) exige que a Bíblia ou qualquer outro livro antigo, não tenha contradição interna até que se prove. Outra forma de dizer isso é que todo livro e seu autor são inocentes até que se provem culpados de contradição. Ainda outra forma de dizer isto é que, se Deus é caracteristicamente verdadeiro (“exato e preciso”) e imutável (“não experimentando mudança ou variação”), e se toda a Escritura é inspirada por Deus (theopnuestos) (cf. 2 Timóteo 3.16), então segue-se que por causa da natureza característica do próprio Deus, o livro que Ele escreveu não seria internamente contraditório! Todos os sessenta e seis livros da Bíblia que são inspirados (ou melhor, “soprados”) por Deus, por Seu próprio testemunho, contém uma integridade independente e interdependente até que se prove o contrário. Essa é a máxima subjacente neste princípio hermenêutico (“a disciplina de interpretar os textos sagrados”) conhecido como A Analogia das Escrituras.
A essa altura você provavelmente está se perguntando, como isso se aplica a este estudo. Vou amarrar isso em um momento. Mas primeiro, observe o que Paulo diz em Romanos, capítulo 1.18-20:
Portanto, a ira de Deus é revelada do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis.
O apóstolo está declarando que todas as pessoas conhecem a Deus, pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles. No entanto, apesar de ele ser manifesto entre eles, em vez de reconhecê-lo, eles suprimem a verdade. Esta reação típica é devido à queda do homem e à rebelião do homem contra Deus por causa de nossa natureza pecaminosa inerente. Observe o que João 3.19 diz a este respeito:
“Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más.”
Assim, os sermões de Paulo registrados nas seções narrativo-históricas da Bíblia (como em Atos 17), em nada contradizem o que ele — inspirado pelo Espírito Santo — escreveu nas seções teológicas, como Romanos 1.18-20. Importante e relacionado com o princípio hermenêutico de analogia das Escrituras, os trechos narrativos da Bíblia (o livro de Atos) devem ilustrar e de fato ilustram (em ação) as seções teológicas da Palavra de Deus. Na verdade, é difícil pensar em Paulo tendo qualquer tipo de integridade pessoal ou credibilidade se o que ele escreve em Romanos capítulo 1 não é utilizado de modo central e específico em sua pregação, como em seu sermão em Atos 17.
Ou seja, o crítico literário ou aquele que tenta entender o significado do que é dito em Atos 17 deve importar o princípio hermenêutico da Analogia das Escrituras: O que Paulo quer dizer com o uso de palavras em Atos 17 deve ser análogo (“semelhança em alguns detalhes entre coisas que fora isso são diferentes”)2 aos seus escritos em outras passagens, como Romanos 1.18-20. O autor deve ser considerado inocente de autocontradição, a menos que exista evidência demonstrável em contrário. Uma breve ilustração deste princípio é o alinhamento de Romanos 1.18-19 com Atos 17.22-23. Nesta passagem de Atos, Paulo afirma que os atenienses eram religiosos e ignorantes. Isto é semelhante ao contexto e significado de Romanos 1.18-19, onde ele afirma que os homens conhecem a Deus (ou seja, são religiosos), mas suprimem esse conhecimento (ou seja, são culposamente ignorantes).
Além disso, em passagens com significado paralelo, as regras interpretativas como a analogia das Escrituras exigem que as passagens mais fáceis de entender ajudem no esclarecimento de passagens mais difíceis de entender, a fim de que não entrem em contradição.
Portanto, o sermão de Paulo em Atos 17 deve ser interpretado no contexto de seus ensinos em outras passagens; isso inclui não apenas o capítulo 1 de Romanos já visto, mas outras passagens como 1 Coríntios 1.17-25. Ao autor deve ser dado o benefício da dúvida, em vez de anular sua integridade literária e nuclear sem a base de evidências empíricas. Resumindo:
ATOS 17 DEVE SER ANALISADO E INTERPRETADO POR OUTRAS PASSAGENS PAULINAS
Deve-se presumir a integridade de pensamento e crença de Paulo, de um livro para outro, até que se prove o contrário. Em outras palavras, e em apoio direto ao argumento que estou prestes a apresentar, Paulo não anuncia um princípio em um lugar e depois outro ponto contraditório em outra passagem de seus escritos, em uma data posterior.
Agora, por favor, permita-me amarrar tudo isso: À luz da Analogia das Escrituras, o sermão de Atos 17 de Paulo deve trazer consigo a predisposição do pressuposicionalismo conforme ensinado por ele em Romanos 1. Isso é extremamente importante para o próximo argumento deste estudo bíblico (caso contrário, eu não teria usado tanto espaço para explicar isso). Um comentarista particular deste sermão, Bahnsen, resumiu de maneira adequada e maravilhosa tudo o que eu disse de forma mais restrita sobre o sermão de Paulo em Atos 17: “sua doutrina é uma reformulação do pensamento de Romanos transformado em impulso missionário.”3
III. O CONTEXTO IMEDIATAMENTE ANTERIOR DA PASSAGEM
Nos contextos geográficos anteriores dos Atos dos Apóstolos, especificamente no capítulo 17, Paulo estava em Tessalônica e Bereia respectivamente. É importante observar que em cada um desses locais, imediatamente antes de sua chegada a Atenas, Paulo utilizou as Escrituras de modo peculiar para apresentar o Evangelho. Observe Atos 17.2, que descreve sua proclamação da palavra em Tessalônica,
Segundo o seu costume, Paulo foi à sinagoga e por três sábados discutiu com eles com base nas Escrituras.
Esta passagem indica que a discussão de Paulo com base nas Escrituras não foi algo que Paulo fez por acaso registrado na passagem principal deste estudo (Atos 17. 22-31); em vez disso, o que Paulo fez quando falou em Atenas foi algo segundo o seu costume. A palavra que Lucas usa aqui para costume (etho) significa “estar habituado”. Ela é usada em outro lugar para descrever o hábito que Jesus tinha de ir à sinagoga no sábado para ler (Lucas 4.16), e Seu hábito de ensinar Seus seguidores (Marcos 10.1). O hábito de Paulo, forjado pela convicção, era de sempre discutir com base nas Escrituras.
Um pouco mais tarde, Paulo foi levado a Bereia para ministrar a Palavra, como lemos em Atos 17.11, onde, está escrito a respeito dos judeus que:
Receberam a mensagem com grande interesse, examinando todos os dias as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo.
Mais uma vez, explicitamente declarado, Paulo falou da Palavra; ela era a base de suas declarações. O texto não diz que os bereanos “receberam a filosofia de Paulo” ou “receberam as ideias de Paulo.” Em vez disso, “receberam a mensagem“.
Ao chegar de Bereia a Atenas, Paulo estava no que seria uma licença missionária enquanto esperava que Silas e Timóteo fossem juntar-se a ele (vv. 15-16). Durante este tempo, ele ficou indignado com toda a idolatria na cidade. A resposta dele? Ele pregou “a respeito de Jesus e da ressurreição (v. 18). Como o sermão de Pedro sobre o mesmo assunto em Atos 2, Paulo, sem dúvida não falou da relação entre o cristianismo e a filosofia grega, mas da vitória de Cristo sobre a morte e o pecado (cf. Atos 2.31–38; 15.36; 16.17,31–32).
Em nenhum lugar nestas passagens anteriores ao sermão no Areópago há um traço de evidência sugerindo que Paulo partiu das posições atuais de seus ouvintes, a fim de identificar-se com eles filosoficamente para depois argumentar a partir das Escrituras. Esta é uma distinção contextual importante a fazer antes de interpretar o significado da parte inicial do sermão ateniense, que em uma primeira leitura pode parecer contradizer este ponto.
IV. O APELO DE PAULO À CONSCIÊNCIA – ATOS 17.22-23
Atenas era o centro cultural do mundo grego. Era o lar dos propagadores históricos da filosofia grega, incluindo Sócrates, Aristóteles e Platão. Assim, este sermão contém e representa um confronto entre a doutrina cristã e a filosofia grega por um dos maiores porta-vozes do cristianismo. Portanto, em um sentido espiritual:
O CENÁRIO É SEMELHANTE A UM DEBATE PRESIDENCIAL, OU A UM CAMPEONATO NO MUNDO DOS ESPORTES;
É COMO UMA BATALHA DOS TITÃS FILOSÓFICOS DO MUNDO ANTIGO
Deve ser visto como nada menos que isso. Em relação a este estudo, é importante identificar se Paulo utilizou ou não o pensamento grego como um ponto de partida, ou alguns outros dispositivos de ponte para seguir em sua apresentação da verdade com base unicamente na revelação das Escrituras. Paulo é exemplo para todos os aspirantes a proclamadores da verdade ao longo dos próximos séculos, incluindo você e eu na comunidade da capital, sobre como o crente deve abordar confrontos de paradigmas filosóficos.
Atos 17.22 marca o ponto inicial do sermão. Depois de ser levado diante do Areópago (aqueles que “controlavam” a filosofia grega), Paulo dá início à sua argumentação. Em relação às suas observações anteriores no mercado, ele afirma:
“Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos, pois, andando pela cidade, observei cuidadosamente seus objetos de culto e encontrei até um altar com esta inscrição: AO DEUS DESCONHECIDO. Ora, o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio.”
As observações introdutórias de Paulo parecem indicar uma tentativa de alcançar um terreno comum com seu público, fazendo uma declaração de construção de pontes, reconhecendo a dignidade de alguns de seus costumes. Mas em uma análise mais atenta, não é isso que o texto está dizendo. Em primeiro lugar, a palavra grega para a expressão muito religiosos (deisidaimonia) também pode ser interpretada como “supersticioso”. Assim, ao invés de uma tentativa de encontrar um terreno comum, é mais provável o início de uma leve acusação da supressão daquilo que eles inerentemente sabiam. Este significado de deisidaimonia parece ser o mais provável intencionado por Paulo, dado o fato de que ele continua a dizer que eles adoram um deus desconhecido, apesar de não o conhecerem. Usados no início de qualquer conversa, estes dois últimos agrupamentos de palavras, quando tomados em conjunto, dificilmente são cativantes. O uso inicial que Paulo faz da palavra deisidaimonia não tinha a intenção de ser uma declaração amigável ou carinhosa, para que ele não parecesse esquizofrênico de uma afirmação para outra.
Em segundo lugar, para esclarecer ainda mais a compreensão desta passagem, desde o início, Paulo está enfatizando que os gregos atestavam algum tipo de teísmo, como evidenciado pela inscrição em um altar, AO DEUS DESCONHECIDO. Reconhecendo as preferências da humanidade teísta ao longo da história, Paulo diz que eles adoravam. No entanto, Paulo diz que eles optam por permanecer ignorantes daquilo que percebem. O uso da expressão “não o conhecerem” está de acordo com a forma como Paulo usa a palavra ignorância em Efésios 4.18:
Eles estão obscurecidos no entendimento e separados da vida de Deus por causa da ignorância em que estão, devido ao endurecimento dos seus corações.
A escolha da palavra ignorância (agnoia, a mesma palavra usada por Paulo em Atos 17.23) não implica deficiência intelectual, mas sim culpabilidade, como Paulo define a mentalidade gentia. Para ilustrar essa diferença, é como se um policial rodoviário parasse uma pessoa na estrada e perguntasse: “Você sabia que estava em alta velocidade?” Alguém que honestamente não soubesse que estava em alta velocidade, por exemplo, se o velocímetro estivesse quebrado, indicaria ignorância baseada na deficiência intelectual ou falta de informação. Mas se você tivesse deliberadamente se recusado a olhar para o seu velocímetro (funcionando perfeitamente) enquanto estava em alta velocidade, e depois alegasse suposta ignorância, isso indicaria ignorância culposa, ou supressão da verdade. É mentir para si mesmo e para os outros; é ignorância condenável. É isso que Paulo está querendo dizer ao usar a palavra ignorância. Assim, desde o início, a escolha do vocabulário de Paulo em Atos 17 indica que ele estava declarando que seu público era culpado de engano, ou para usar a linguagem sinônima de Efésios 4.18, por causa da ignorância eles possuíam corações endurecidos. Fazendo analogia com o ensinamento de Paulo em Romanos 1, a introdução de Paulo estava anunciando o fato de que os filósofos atenienses estavam suprimindo o que era “manifesto entre eles” (Romanos 1.19), à consciência deles.
Ernest Best, que conduziu extensos estudos de palavras sobre a maioria de todas as palavras gregas usadas por Paulo em Efésios, diz:
A ignorância parece ter um lugar único contra o conhecimento de Deus …. Ignorância, pecado e incredulidade estão intimamente ligados [segundo o autor de Efésios].
Ele continua:
[A interpretação da ignorância] expressa a mesma ideia de outra forma como endurecimento do coração.4
Se este é o significado de ignorância, então dificilmente é uma estratégia atraente para começar seu discurso. Paulo está essencialmente dizendo aos seus ouvintes: “Vocês têm corações duros!” Este método de comunicação não convida ampla receptividade do público. Na verdade, é comunicação corajosa e ousada, capacitada por ninguém menos que o Espírito Santo. Oh, que haja líderes assim hoje na Comunidade capital: ousados e amorosos! (cf. Provérbios 3.3)
A menção de Paulo à inscrição no altar, dadas essas percepções, ganham um tom totalmente diferente, em outras palavars: “Vocês podem dizer publicamente que Deus é desconhecido, mas no fundo vocês sabem que não é verdade.”
A declaração afirma a convicção de Paulo de que os secularistas atenienses estavam suprimindo a verdade sobre Deus — verdade que eles conheciam inerentemente em sua consciência. De forma educada (seguindo a orientação de 1 Pedro 3.15b), Paulo estava comunicando que a ignorância deles era reprovável. A inscrição no altar, para o evangelista treinado e experiente, revelou-se a prova à primeira vista da existência de um coração endurecido. Assim, o delineamento de ideias de Paulo em Atos 17 se equiparaperfeitamente ao que ele expressa em Romanos 1.19-20:
… pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. (…) de forma que tais homens são indesculpáveis.
O início deste sermão é crucial e revelador. Não exibe nenhuma tentativa apologética probatória além da primazia do uso das Escrituras. Imediatamente exemplificado e ilustrado por Paulo, tudo dentro da introdução do sermão, vem uma rápida e agressiva “puxada no tapete” da filosofia grega e epistemologia inventadas pelo homem. Em excepcional contraste com a maioria das apresentações da verdade hoje, pouco depois de iniciar seu discurso, Paulo diz (minha paráfrase):
Portanto, em contraste com a falsidade que vocês escolheram para adorar como resultado da supressão da verdade, de corações endurecidos, proclamo isso com autoridade a vocês…
Ao invés de desenvolver seu discurso lentamente a partir de alguns supostos fundamentos comuns entre a filosofia grega e o cristianismo, Paulo amorosamente faz uso de palavras que revelam a impotência filosófica e teológica de seus ouvintes. Eis aqui, então, estampado um argumento interessante (neste caso relacionado ao Evangelho) apoiado e fundamentado singularmente nas Escrituras.
No final dos dois primeiros versos de seu sermão, Paulo afirma: eu lhes anuncio. A palavra grega para “anunciar” é kataggello, que é a mesma palavra grega usada em outros lugares do Novo Testamento para se referir à solene proclamação fidedigna do Evangelho baseada nas Escrituras (por exemplo, Atos 3.18; 1 Coríntios 9.14; Gálatas 1.11-12).
Em resumo, nos primeiros dois versículos deste sermão, Paulo estabeleceu um contraste epistemológico entre a base ignorante, autônoma e independente da filosofia grega e a autoridade decorrente da revelação dada por Deus de si mesmo e sua verdade.
V. O APELO DE PAULO À CRIAÇÃO – ATOS 17:24-28a
Continuando na mesma ordem de argumentação paralela com Romanos 1.18-20, Paulo agora acentua o testemunho interno da consciência (como mencionado anteriormente pelo uso da palavra grega traduzida como ignorância em Atos 17.22-23) com o testemunho externo da revelação geral, isto é, a criação. Atos 17.24-28a diz:
“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor do céu e da terra, e não habita em santuários feitos por mãos humanas. Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas. De um só fez ele todos os povos, para que povoassem toda a terra, tendo determinado os tempos anteriormente estabelecidos e os lugares exatos em que deveriam habitar. Deus fez isso para que os homens o buscassem e talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de nós. ‘Pois nele vivemos, nos movemos e existimos’.”
Paulo afirma aos atenienses que toda a humanidade — se estiver vivendo em negação de Cristo — é indesculpável. Biblicamente falando, não é como se as pessoas simplesmente não soubessem da existência de Deus, ao contrário, Paulo diz, alinhado com Romanos 1, que Ele não está longe de cada um de nós. A ignorância culposa é indesculpável aos olhos de Deus; Ele se deu a conhecer a todos, tanto internamente através da consciência quanto externamente através da criação. Se respondemos à revelação geral que Deus nos concedeu através da consciência e da criação, Ele será fiel para aumentar essa revelação a ponto de tornar possível a salvação em Cristo. Isto é o que teologicamente chamamos de revelação progressiva de Deus. É aqui que encontramos a resposta para a pergunta feita com frequência:
E OS PAGÃOS, NA ÁFRICA, QUE NUNCA OUVIRAM O EVANGELHO?
Tanto a consciência quanto a criação (ou a revelação geral) atestam o fato da possibilidade de se conhecer Deus. O apelo de Paulo à revelação geral aqui serve o seu propósito de apontar melhor a culpabilidade grega. Deus não está longe, tampouco é impossível conhecê-lo. Esta revelação geral, se não deliberadamente suprimida, cria em todas as pessoas um desejo de buscar a Deus. Bahnsen resume esta questão:
[O homem] é responsável porque ele possui a verdade, mas ele é culpado pelo que faz com a verdade.5
Deus se revelou à humanidade interna (consciência) e externamente (criação), portanto Ele pode ser facilmente encontrado. Do outro lado da mesma moeda, o Evangelho da salvação é fácil de proclamar e compreender. No entanto, os gregos suprimiram o que sabiam ser verdadeiro e, em vez disso, numa manobra tática contra o testemunho da confirmação interna de Deus em sua consciência, eles adoravam seus deuses no Partenon, a quem Paulo descreveu melhor aqui em seu sermão como aqueles que habitam em santuários feitos por mãos de homens. O Areópago ficava posicionado bem abaixo do Partenon, e dessa posição, Paulo poderia facilmente ter acenado com a mão para ilustrar o que ele estava falando.
Em resumo desta seção de seu sermão, Paulo refutou de forma franca e direta os deuses gregos feitos pelo homem. Mais uma vez, ele não os integrou em seu argumento nem desenvolveu seu sermão a partir de algum suposto denominador comum, ao contrário, ele corajosamente repreendeu e condenou o teísmo dos gregos.
VI. O APELO DE PAULO À CONTRADIÇÃO – ATOS 17.28b-30a
Mais adiante no corpo de seu sermão, no versículo 28b, Paulo usa uma citação em resumo, não do Antigo Testamento, mas sim de fontes seculares:
“… como disseram alguns dos poetas de vocês: ‘Também somos descendência dele’. Assim, visto que somos descendência de Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante a uma escultura de ouro, prata ou pedra, feita pela arte e imaginação do homem. No passado Deus não levou em conta essa ignorância…”
Por que Paulo cita fontes extrabíblicas quando as Escrituras são sua base única de autoridade? Não se engane sobre o que Paulo está tentando fazer aqui; este não é um esforço para estabelecer um terreno comum com a filosofia grega. O motivo de estarem incluídas é por serem fontes seculares gregas que contradizem a própria crença dos gregos! Uma delas era a noção que Paulo já havia mencionado, de que supostamente os deuses gregos habitavam em santuários feitos por mãos de homens. Paulo está em essência, perguntando: “Então, qual de suas ideias teístas gregas opostas está correta?” Essas citações contraditórias são de poetas cretenses, Epimênides e Aratus, da cidade natal de Paulo. Servem o propósito de Paulo de por em questão a autoridade da filosofia grega ou como declarado em Romanos, a inadequação da supressão que faziam, opondo-se à busca do Deus verdadeiro. Os próprios poetas são pessoas que sabem sobre Deus, mas por não se submeterem ao testemunho da consciência e da criação, sua injustiça dificulta a busca por Ele. Mais uma vez, João 3.19b resume esta tendência da nossa condição pecaminosa exceto pela intervenção do Espírito Santo redentor: … mas os homens amaram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más. Stonehouse habilmente comenta sobre o que esses poetas estão em essência atestando: “Os poetas pagãos, no próprio ato de suprimir e perverter a verdade, pressupõem uma medida de consciência dela.”6
A referência de Paulo aos pensadores seculares é ainda outra maneira de ilustrar que o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou (Romanos 1.19), e que, tendo conhecido a Deus[através de sua consciência e da criação], não o glorificaram como Deus (Romanos 1.21). (As inclusões nos colchetes são minhas para ênfase contextual e auxílio na compreensão.)
Inseridas no meio da tese singular de Paulo sobre a existência da ignorância culpável estão esses dois caras seculares, com ideias idênticas, que servem bem a Paulo em sua argumentação pois são citações utilitárias convenientes que ilustram, pela evidência de seus próprios textos culturais, a questão central do sermão de Paulo. Ele usa habilmente a própria fonte de autoridade dos gregos para enfatizar seu argumento.
Paulo não está elogiando doutrinas estoicas ou utilizando ideias pagãs para concluir seu sermão com verbosidade mundana e palavras seculares palatáveis, como costumam fazer aqueles no movimento evangélico que busca satisfazer o “cliente”. Fazê-lo seria teologicamente inconsistente com a clareza paulina. Esta parte do sermão não pode ser tomada como aquiescência ou uma tentativa de identificação com um público pagão.
VII. O APELO DE PAULO À CONVERSÃO – ATOS 17.30-31
A última parte do discurso de Paulo é um apelo ao arrependimento e um aviso de julgamento próximo:
“No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam. Pois estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio do homem que designou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os mortos”.
Esta seção é tudo menos uma tentativa de encontrar um terreno comum com os filósofos gregos. Aqui está o ápice da antítese às ideias seculares gregas. Este é um apelo ousado para que abandonassem essas filosofias infundadas e se voltassem para Cristo. “Paulo não queria que os filósofos simplesmente refinassem as ideias um pouco mais e lhes adicionassem algumas informações faltantes; mas sim que abandonassem seus pressupostos e tivessem uma mudança completa de mente, submetendo-se à revelação clara e autoritativa de Deus”.7 Aquiescência ao arrependimento significa viver sem a ignorância culpável e as contradições filosóficas. A falta de arrependimento significaria um prolongamento da autonomia epistemológica, ou melhor, agarrar-se a um orgulho próprio altivo, autocentrado onde cada um permanece como a autoridade imperial e o árbitro de todas as coisas. É essa pessoa impenitente, diz o apóstolo, que sofrerá o juízo de Deus. Será que isso descreve você?
VOCÊ CRIOU UM DEUS FEITO À SUA PRÓPRIA IMAGEM?
VOCÊ É O ÁRBITRO FINAL DE TODA A VERDADE?
VOCÊ FEZ UM DEUS COM SUAS PRÓPRIAS MÃOS?
A arrogância humanista! “Eu sou a autoridade final quanto ao que é verdade! Não preciso de nenhuma outra fonte, porque sou meu próprio deus!” Estes são aqueles que precisam arrepender-se e render-se a Cristo para que não sofram o juízo de Deus. Sua consciência reprimida atesta o que estou dizendo – que o que estou dizendo é verdade sobre sua condição atual.
VIII. SUMÁRIO
Esses seis aspectos do sermão de Paulo em Atos 17 representam verdades paraleltas de sua teologia de Romanos 1.18-20. Ele oferece uma apresentação vívida da apologética pressuposicional, como evidenciado por:
- A analogia das Escrituras
- O contexto imediatamente anterior
- O apelo de Paulo à consciência
- O apelo de Paulo à criação
- O apelo de Paulo à contradição
- O apelo de Paulo à conversão
Robert Reymond em seu livro, The Justification of Knowledge [A Justificação do Conhecimento] resume bem a filosofia da comunicação de Paulo:
Apenas uma leitura superficial de Atos mostraria que Pedro, Estêvão, Filipe e Paulo, em seus sermões missionários para as nações, nunca exortam os homens perdidos a fazer outra coisa senão se arrepender de pecado e curvar-se em fé diante de Deus que revelou a si mesmo em Jesus Cristo para a salvação dos homens. Eles nunca implicam em sua argumentação que seus ouvintes podem legitimamente questionar a existência do Deus cristão, a verdade das Escrituras, ou a historicidade da morte e ressurreição de Cristo antes do compromisso pessoal. Ao apelar para a “evidência”, eles nunca implicam que tais “evidências” justificam sua mensagem… O arrependimento em relação a Deus e à fé em Jesus Cristo pode ser a única resposta adequada do pecador a todo o testemunho apostólico.8
IX. APLICAÇÃO
Você Deve Argumentar a partir da Bíblia em uma Capital Secular? O sermão de Paulo em Atos 17 é o modelo para o uso da Escritura como a autoridade final da verdade, e para evangelizar e defender a fé. Em todas as capitais do mundo as pessoas já sabem que Cristo é Deus, que a Bíblia é verdadeira, e que eles precisam se arrepender de sua autoridade autonomeada e autonomia e cair de joelhos em submissão à autoridade de Deus. Eles sabem disso através do testemunho de sua própria consciência e da criação de Deus. Portanto, o trabalho do crente não é tanto convencer e persuadir, provar e fundamentar, mas ajudar e treinar amorosamente os não convertidos a deixar de suprimir o que eles já sabem ser verdade. Que o Espírito nos ajude nesse ministério.
Assim como Paulo, o uso das Escrituras e a habilidade de argumentar com base na verdade das Escrituras devem ser a nossa autoridade final e completa. Desafio você a utilizar os preceitos das Escrituras para argumentar seus pontos sobre questões políticas (supondo que as Escrituras e seus princípios venham a sustentar determinado assunto). Quando desafiado com “Bem, eu não vejo a Bíblia como autoritativa”, você pode responder com: “Oh sim, você vê; a questão é que você não quer admitir (está suprimindo a verdade).” Outra das minhas respostas favoritas ao discutir sobre isso é: “Devo acreditar no que você proclama sobre a Bíblia ou devo acreditar no que a Bíblia proclama sobre você?”
Hebreus 4.12 é pertinente:
Pois a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes; ela penetra ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e intenções do coração.
Os incrédulos sabem que as Escrituras são verdadeiras. Portanto, mostre isso a eles, mesmo que digam não acreditar nela. Na realidade, eles acreditam, mesmo que, como os atenienses na Colina de Ares, eles tentem convencer a si mesmos e aos outros que não o fazem. Amorosamente ajude seus colegas atenienses de nossos dias a parar de suprimir o que eles sabem ser verdade. Esse é o pressuposto a partir do qual Paulo operou seu ministério, e também deve ser o seu. cm
1 Grentz, Stanley. Pocket Dictionary of Theological Terms (Downers Grove: Inter Varsity Press, 1999) p. 45.
2 Calvino denominou esse conceito de A Analogia da Fé, considerando que se o Espírito supervisionou a escrita das Escrituras, então as Escrituras deveriam interpretar as Escrituras sem contradição.
3 Bahnsen, Greg. Always Ready (Nacogdoches: Covenant Media Press, 2002) p. 238.
4 Best, Earnest. International Critical Commentary, Efésios (Edimburgo: T&T Clark, 1998) p. 420.
5 Bahsen, pág. 259.
6 Stonehouse, Ned Bernard. Paul Before the Areopagus (Grand Rapids: Eerdmanns, 1957) p. 30.
7 Bahsen, pág. 268.
8 Reymond, Robert. The Justification of Knowledge (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1984) p. 38.